Único en el mundo: o País Basco e a história do Athletic Bilbao

Lucas Silva
6 min readAug 12, 2024

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Grandes equipes são recheadas de talentos da Europa e da América do Sul, ou exploram outros mercados como o africano e o asiático, por exemplo. As mudanças do futebol na década de 1990 permitiu que fosse possível acompanhar um futebol mais globalizado. Mas há um clube no norte da Espanha que vai na contramão do futebol moderno, ligado fortemente as suas raízes: este é o Athletic Bilbao.

Um dos clubes mais tradicionais da Espanha e, historicamente, a terceira força do futebol local, mesmo não tendo a mídia que os clubes do eixo Madrid-Barcelona possuem. E não é exagero nenhum dizer que a história do futebol na Espanha passa por Bilbao.

Euskal Herria

A Espanha é divida em “Comunidades Autônomas”. São 17 comunidades ao todo, sendo 15 no continente e mais duas ilhas, as Ilhas Baleares e as Ilhas Canárias. Cada uma tem sua própria cultura, costumes e dialetos.

Podemos entender o que é Basco de duas formas:

  • o País Basco como comunidade autônoma, região do extremo-norte espanhol que compreende as províncias de Álava, Biscaia e Guipúscoa;
  • o País Basco como região histórico-cultural, que compreende as comunidades do País Basco, Navarra e o País Basco francês, que compreende o departamento dos Pirenéus Atlânticos, extremo-sul da França.
Imagem do território histórico do País Basco (Reprodução)

De acordo com Estrabo, a região histórica do País Basco foi ocupada pelos vascões no século I a.C. Com a queda do Reino de Navarra no século XVI, o sul do território foi absorvido pelo Reino de Castela dentro de uma identidade espanhola. Já a parte norte foi absorvida por Henrique IV da França. Por isso, parte do território histórico basco é de posse francesa.

No século XIX, tivemos o início dos primeiros movimentos nacionalistas bascos, como forma de valorizar mais a identidade basca por meio do idioma, usando a música, a poesia e livros. Um dos responsáveis foi o político e poeta Sabino Arana, fundador do Partido Nacionalista Basco — PNV. Foi seu irmão inclusive, Luis Arana, que foi um dos idealizadores da bandeira basca, a Ikurriña, em 1895. É nesse contexto de surgimento do nacionalismo local que surge o Athletic Club de Bilbao.

A Ikurriña, bandeira do País Basco, criada em 1895 (Reprodução)

A tradição ligada ao futebol

O Athletic Club foi fundado em 1898. O dia e o mês é incerto. Originalmente, o clube foi fundado por estudantes bascos que retornaram para a Espanha com interesse no futebol. Depois de três anos jogando juntos, os jovens decidiram por oficializar a criação do clube em 1901.

O clube foi campeão da primeira edição da Copa do Rei, em 1903. Nesse ano, estudantes bascos torcedores do Athletic Bilbao que moravam em Madrid resolveram fundar um clube de futebol, chamado de Athletic Club Sucursal de Madrid. Hoje, esse time é o Atlético de Madrid.

Nos anos 1910 surgiu uma das coisas mais conhecidas sobre o clube basco: a sua política de contratação. Essa regra não está escrita no estatuto do clube, mas para você jogar no Athletic Bilbao, você precisa cumprir um dos três requisitos:

  1. Ter nascido no País Basco
  2. Ter descendência basca na sua família
  3. Ser formado profissionalmente em algum clube do País Basco

Apesar do Athletic Bilbao ser conhecido pela regra, ele não foi o único a adotá-la. A Real Sociedad também manteve a mesma política de contratação, isso até 1989, quando eles contrataram o atacante irlandês John Aldridge.

No entanto, a consolidação dessa regra veio durante a ditadura de Francisco Franco. A Espanha fascista passou a reprimir todo e qualquer tipo de identidade regional. A ideia era abolir todo o tipo de estrangeirismo em favor de uma identidade castelhana e reforçá-la por meio da promoção da língua espanhola, das tradições culturais e do catolicismo.

Por mais de uma vez, essa política questionada, uma vez que clubes como Real Madrid e Barcelona pediam uma abertura do mercado espanhol. Do outro lado, Athletic Club e Real Sociedad, alertavam para os perigos de que uma abertura para o mercado espanhol poderia criar um abismo entre os clubes bascos e os demais. Até o final da década de 1980, a LaLiga aprovou a regra de três estrangeiros aos clubes.

Henrique Toscano, brasileiro torcedor do Athletic e que morou em Bilbao, contou um pouco sobre essa política de contratação do clube:

“Eles têm muito orgulho de serem bascos, todos os torcedores que eu conheci são favoráveis a essa regra do clube. E mesmo com a restrição de jogadores, o Athletic trabalha muito as suas categorias de base, desde jovem eles [o clube] mostram o quão importante é a identificação basca.”

Por curiosidade, o primeiro “estrangeiro” a jogar no Athletic Bilbao foi o brasileiro Vicente Biurrun, entre 1986 e 1990. Com a resolução do Caso Bosman em 1996, o Athletic reveu suas diretrizes e decidiu investir no Páis Basco francês, caso de Bixente Lizarazu (1996–1997) e, anos mais tarde, Aymeric Laporte (2012–2018). Tempos depois, com maior flexibilização da regra, chegaram a passar pelo clube o venezuelano Fernando Amorebieta (2005–2013) e o romeno Cristian Ganea (2018–2020).

De descendência basca, Vicente Biurrun se mudou muito cedo para a Espanha e se formou — enquanto jogador de futebol — nos clubes da região (Foto: Ludopédio/Reprodução)

Entretanto, a recepção de jogadores negros foi determinante para a diversificação do clube. No decorrer da sua história, o Athletic Club se distanciou de um nacionalismo xenófobo idealizado por Sabino Arana e passou a assumir uma postura abertzale, isto é, um nacionalismo patriótico, muito mais ligado com a independência basca do que com as ideias conservadoras do final do século XIX.

Jonás Ramalho, filho de angolanos, foi o primeiro a atuar no Athletic em 2011. Depois vieram Iñaki Williams, primeiro negro a marcar um gol com a camisa do Athletic, em 2015. Seu irmão Nico Williams foi destaque da Espanha na última Eurocopa. Ambos tem origens ganesas e Iñaki defendeu as Estrelas Negras na Copa do Mundo de 2022. Além deles, Malcom Adu Ares, revelado em 2022 e Álvaro Djaló, contratação recente do clube, são primos com raízes na Guiné Bissau.

O Athletic Bilbao é o quarto maior campeão de La Liga com oito títulos e o segundo maior campeão da Copa do Rei, com 25 taças. Isso porque o clube venceu uma espécie de “torneio experimental” que viria a ser a Copa do Rei em 1902, chamado de Copa de la Coronación sob o nome de Club Viscaya.

Além do mais, é um dos três (junto de Real Madrid e Barcelona) que nunca foram rebaixados. Um de seus maiores trunfos são as suas canteras (as categorias de base). Tanto é que Lezama está entre as principais categorias de base do futebol espanhol.

Euskal Derbia

A maior rivalidade do País Basco é entre Athletic Bilbao e Real Sociedad. Há outros “dérbis bascos” envolvendo Osasuna, Deportivo Alavés e Eibar, mas o grande clássico é entre zurigorri y txuri-urdin. São quase 200 jogos entre as equipes nestes mais de 110 anos, com 78 vitórias do Athletic, 49 empates e 61 vitórias da Real.

A disputa dos dois times parte da rivalidade entre as cidades: Bilbao é conhecida por ser um polo industrial muito ativo, caracterizado pela mineração e comércio marinho. Já Real Sociedad vem de Donostia/San Sebastián, cidade referência no turismo, com destaque a sua arquitetura e sua paisagem. Afinal, é lá onde fica a Playa de la Concha, um das praias mais bonitas de toda a Espanha.

Capitães de Real Sociedad e Athletic entram em campo carregando a bandeira da comunidade do País Basco

Mas diferente de rivalidades onde ambas as torcidas se odeiam, as torcidas costumam se unir e confraternizar entre si. A história marginalizada dos bascos em meio à ditadura franquista e o próprio orgulho fomentado por ambos os clubes os tornam muito mais irmãos.

Aliás, um dos episódios mais importantes deste clássico aconteceu em 1976, um ano após a morte de Franco. Os capitães José Ángel Iribar e Inaxio Kortabarría entraram em campo no Estádio de Atotxa carregando a bandeira basca.

Naquele momento, o símbolo regional era proibido, não apenas pelo nacionalismo reprimido, mas também pela relação com atos terroristas do ETA. Entretanto, 13 meses após a morte de Franco, os clubes bascos se prontificaram a se manifestar e mostrar como novos tempos chegavam.

No fim das contas, Athletic Bilbao e Real Sociedad são dois bastiões da cultura basca e do senso de pertencimento da população regional, que se uniram em momentos difíceis de repressão.

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Lucas Silva
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Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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