A relação de Franco com o futebol

Lucas Silva
5 min readNov 15, 2022

Os movimentos fascistas tomaram conta da Europa na década de 1930. Itália, Alemanha e Portugal são grandes exemplos, tais como a Espanha. E o futebol foi usado como propaganda do governo e hoje vamos ver como isso se deu. Segue o fio.

AVISO

O intuito desta thread é puramente informativo e não tem, de maneira alguma, intenção de ofender clubes e/ou torcedores dos times citados. O foco aqui é contar como um regime ditatorial influenciou no futebol espanhol e as polêmicas por trás de clubes neste período.

O REGIME

Ao fim da Guerra Civil Espanhola, em 1939, o general falangista Francisco Franco ascendeu ao poder na Espanha, dando início a ditadura fascista que duraria quase 40 anos. O Generalíssimo, como ficou conhecido, usou o esporte como propaganda do regime.

É importante dizer duas coisas sobre a ditadura: o regime de Franco ficou marcado pelo antiestrangeirismo e pelo fortalecimento de uma identidade madridista, isto é, centrada na capital do governo: a cidade de Madrid.

Essa construção de uma identidade madridista se dá pela ideia de que todas as comunidades autônomas da Espanha deveriam ter uma única identidade, a espanhola. A consequência disso era a repressão de tudo aquilo que não fazia parte deste “projeto”.

Importante ressaltar que a Espanha é composta por 17 comunidades autônomas — o que seria equivalente aos “estados” aqui no Brasil -. Cada uma tem sua identidade cultural e autonomia, com características próprias e contribuindo para um sentimento nacionalista.

O FUTEBOL

As regiões da Espanha tinham autonomia dentro do território, mas isso acabou com a chegada de Franco, que passou a governar de forma repressiva e foi um obstáculo em relação à autonomia das comunidades.

E adivinha quais as principais regiões que foram oprimidas pelo franquismo pela defesa de suas autonomias e identidades regionais? Aquelas que quase sempre aparecem aqui: País Basco e Catalunha.

Ambas regiões separatistas da Espanha, País Basco e Catalunha possuem muito em comum. Os bascos se solidarizaram com os catalães, nos protestos em busca de sua independência em 2017.

Resumo: as duas comunidades possuem suas próprias identidades, idiomas e culturas e não é de hoje que a pauta da separação do território espanhol é discutida nestas regiões. Aliás, o futebol se popularizou na Espanha nestas duas regiões, em especial.

O Barcelona já se manifestava contra as ditaduras desde o governo de Primo de Rivera, quando vaiou o hino da Espanha em um jogo no ano de 1925. A punição foi o fechamento do clube por seis meses e a renúncia forçada de Joan Gamper.

Já em 1936, o Barcelona teve seu presidente, Josep Sunyol, assassinado. Sunyol, que era de esquerda, foi às ruas para gritar “viva a república”. Sua morte não foi relacionada ao clube catalão, embora as tropas nacionalistas tenham o matado.

Com o fim da guerra, Francisco Franco proibiu símbolos regionais de serem usados, incluindo o próprio idioma catalão. As mudanças foram até no nome do Barcelona, que de Fútbol Club Barcelona, se tornou Club de Fútbol Barcelona.

Quem também passou por isso foi o Athletic Club, que mudou de nome forçadamente para Atlético de Bilbao, uma vez que o clube foi fundado por ingleses. O idioma basco também foi banido. Inclusive, nunca se refira ao clube como Atlético de Bilbao, é ofensivo.

Foi durante o período franquista, inclusive, que Athletic Bilbao e Real Sociedad revigoraram a política de contratar apenas bascos como uma postura identitária. Os dois rivais tiveram papel fundamental para levar à tona novamente o nacionalismo basco.

Outro grande fato é que durante todo o período ditatorial, a Copa do Rei foi forçada a mudar de nome, visando exaltar a figura do Caudilho. O torneio foi chamado de Campeonato de España Copa de Su Excelencia el Generalísimo

Mas, vale puxarmos parte de uma thread para mostrar como o franquismo esteve presente no futebol: os dois clubes de Madrid tiveram suas relações com o regime, embora a “relação” com o Real Madrid seja mais comentada.

Quando ainda se chamava Athletic Madrid, o clube colchonero foi usado como clube do regime. Enquanto o Madrid perdeu o Real de seu nome e caiu em crise, o Athletic perdeu jogadores, que foram mortos no conflito e precisou se fundir com o Aviación Nacional.

Foi nessa fusão que o clube retornou a La Liga e foi bicampeão nacional consecutivo. Depois de 1946, o clube adotado pelo governo foi o Real Madrid. Santiago Bernabéu mantinha contato com Franco, inclusive, havia militado com tropas franquistas durante a Guerra Civil.

Os “exemplos” mais notórios da suposta parceria de Franco e Madrid foram na construção do hoje chamado estádio Santiago Bernabéu, que teria sido construído com dinheiro público e levantado em menos de três anos.

Foto do Estádio Nuevo Chamartín, que hoje conhecemos como Santiago Bernabéu, em 1947, ano de sua inauguração. Inicialmente, o estádio tinha capacidade inicial para 75,145 pessoas.

Quem aponta isso é o jornalista Carles Torras, no documentário “O Madrid real: A lenda negra da glória blanca”. Ele mostra como a ditadura franquista teria ajudado no crescimento do clube merengue. Tá fácil de achar no YouTube.

Além de ajudas com a arbitragem, outro grande episódio é a contratação de Di Stéfano: a Federação Espanhola definiu que o atacante teria que jogar uma temporada entre Madrid e Barça. Os culés desistiram e os blancos fecharam com o jogador. O resto é história.

Fundamental salientar que não existem provas concretas de que Franco, de facto, ajudou a impulsionar os merengues para o que eles são hoje. E nem que Franco era torcedor do Madrid, apesar de ser figura recorrente nas arquibancadas.

Há quem defenda que Franco odiava o futebol e tudo que fez no meio esportivo tinha, única e exclusivamente, interesses políticos. Relatos dizem que Franco nunca expressou reação ao ver os jogos do clube blanco, era alguém “sonso e sem qualquer senso de humor”.

Não sei ao certo dizer se ainda há efeitos do franquismo no futebol espanhol, mesmo que a maioria das torcidas ultras na Espanha sejam alinhadas com a extrema-direita. Embora, mesmo que haja sinais, eles são e devem, mais do que tudo, ser combatidos.

Manchetes de periódicos espanhóis anunciando a morte de Francisco Franco, em 1975. Que siga no inferno, para o bem de todos nós.

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Lucas Silva
Lucas Silva

Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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