A tragédia de Heysel e o futebol manchado de sangue

Prestes a completar 40 anos em 2025, o dia 29 de maio de 1985 ficou marcado na história como uma das maiores tragédias do futebol inglês. Vale lembrar aqui: a Inglaterra era uma bagunça, com estádios em condições deploráveis, baixa média de público e violência extrema.
Torcedores se encontrando em pubs, tomando conta do espaço e marcavam para se enfrentar. Tudo por puro prazer. Era a vontade de descontar tudo em cima de outra pessoa, além da sensação de euforia causada pela adrenalina durante as brigas.
O contexto do que acontecia nas Ilhas Britânicas também é complicado. O Reino Unido vivia o sexto ano do governo de Margaret Thatcher em 1985 e muita coisa tinha acontecido até aquele ano. Para entender a figura de Thatcher, veja o fio sobre Hillsborough.
A violência no futebol inglês dos anos 1980 está de certa forma ligada a crise econômica, o desemprego causado pelas privatizações e a batalha entre o governo neoliberal e os sindicatos das indústrias do aço e do carvão.
HEYSEL
O Liverpool era, na época, o atual campeão europeu, havia vencido seu quarto caneco. Na campanha, passaram por Lech Poznan, Benfica, Áustria Viena e Panathinaikos. Comandados por Joe Fagan, os grandes destaques eram a dupla Kenny Dalglish e Ian Rush.
Do outro lado, a Juventus. A equipe passou pelo Ilves da Finlândia, Grasshopper, Sparta Praga e Bordeaux. Os 𝑏𝑖𝑎𝑛𝑐𝑜𝑛𝑒𝑟𝑖 de Giovanni Trapattoni tinha uma forte dupla de ataque formada por Zbigniew Boniek e Paolo Rossi. Ah, e tinham um tal de Michel Platini.
Naquela noite de 29 de maio de 1985, milhares de torcedores ingleses e italianos se reuniram no Heysel Stadium, em Bruxelas, na Bélgica. Mas a atmosfera era tensa. A segregação entre as torcidas era inadequada, os portões mal controlados e a segurança insuficiente.
Heysel estava em péssimas condições: o estádio não recebia manutenção suficiente há anos e grande parte das instalações estava literalmente desmoronando. Jogadores e torcedores do Liverpool disseram mais tarde que ficaram chocados com a condição abjeta de Heysel.
Por exemplo, a parede externa era feita de blocos de concreto, e torcedores que não tinham ingressos foram vistos abrindo buracos na parede para entrar. Em algumas áreas do estádio havia apenas uma catraca, e alguns torcedores presentes ao jogo alegaram que nunca foram revistados.
Entre 58 e 60 mil pessoas estiveram no estádio onde havia setores separados para as torcidas, mas um desses setores, próximo a da torcida dos Reds, era neutro. Esse setor foi em grande parte ocupado por torcedores da Juventus, que viajaram para a Bélgica apenas para ver o jogo no estádio.
O que se seguiu foi um confronto caótico e trágico entre as torcidas. Por volta das 19h, uma hora antes do jogo, os torcedores ficaram a uma cerca de arame e pouquíssimos policiais de distância. Hooligans começaram a atirar sinalizadores, garrafas e pedras.
A tragédia aconteceu quando os torcedores da Juventus foram espremidos contra o muro, que acabou desabando. Muitos foram esmagados ou pisoteados. Ao todo, 39 pessoas perderam a vida e muitas outras ficaram gravemente feridas. Um desastre que gerou indignação global.
E mesmo com toda aquela tragédia, o jogo foi mantido pois, caso fosse cancelado, “teria o risco de incitar mais distúrbios”. A Juventus venceu o Liverpool por 1 a 0 com gol de Platini de pênalti e conquistou a Champions pela primeira vez na sua história.
Depois de 18 meses de investigação, o dossiê da juíza belga Marina Coppieters foi publicado e concluiu que a culpa deveria recair exclusivamente sobre os torcedores do Liverpool. No dia 2 de junho de 1985, os clubes ingleses foram banidos por tempo indeterminado pela UEFA.
PÓS-HEYSEL
O futebol inglês foi forçado a encarar o hooliganismo de frente. O desastre serviu para o recrudescimento da política do governo de Margareth Thatcher com as torcidas inglesas e a primeira-ministra aumentou o controle sobre os estádios.
“Foi um desastre total, tanto que o chefe da polícia no comando daquela noite foi para a cadeia. A polícia estava sem pilha no radinho para se comunicar. Sem as ações da torcida do Liverpool, nada teria acontecido, mas houve outros fatores nas mortes daquelas pessoas. Ninguém quer aceitar responsabilidade. Fica mais fácil focar no hooliganismo. Eram brigas teatrais, o teatro era ganhar espaço, ninguém queria matar o adversário” — Tim Vickery, em entrevista à Trivela
Contudo, como sabemos bem, o que já estava ruim se mostrou capaz de piorar e a tentativa de endurecer o controle da violência e da segurança nos estádios acabou resultando no desastre de Hillsborough quatro anos depois, em 1989.
Importante frisar que os envolvidos nas investigações ignoraram que o estádio daquela final não tinha as mínimas condições de receber um jogo daquele porte. Estádios como o Santiago Bernabéu e o Camp Nou, por exemplo, estavam disponíveis para sediar um jogo daquele porte.
Ainda houve péssima distribuição dos ingressos, o que causou a superlotação. Todos sabiam que haviam mais fatores além da violência que contribuíram para a tragédia.
Tanto Liverpool quanto Juventus prestaram homenagens ao longo dos anos. Em 2005, 20 anos depois da tragédia, as duas equipes se enfrentaram nas quartas de final da Champions em jogo com homenagens as vítimas do acidente.
O Heysel Staidium não existe mais, dando lugar ao Estádio Rei Balduíno em 2020. A tragédia que tirou vidas em Bruxelas é um capítulo sombrio na história do futebol, mas que precisa sempre ser lembrado.