All-In: O que é e porque costuma ser arriscado nas ligas americanas

Lucas Silva
10 min readNov 19, 2024

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É comum que nos esportes, em especial os esportes americanos, times fazem movimentos ousados no planejamento e montagem de seus elencos. Essas franquias estão investindo seus recursos como escolhas no Draft, ajuste do espaço salarial e contratações badaladas para ter o máximo de sucesso imediato. O objetivo é fazer movimentos agressivos para montar um elenco extremamente competitivo, mesmo que isso possa ter consequências negativas a longo prazo. É ir para o tudo ou nada, “all-in”. Hoje, eu quero destrinchar o conceito por trás do all-in e porquê ele costuma ser um risco para a maioria das franquias americanas.

Tudo ou nada

Imagine o seguinte cenário: você está em uma mesa de poker jogando com alguns amigos. No decorrer da partida, o amigo A vai acumulando mais fichas que os outros, ou seja, está ganhando. O amigo B também não fica atrás e tem uma quantidade considerável de fichas. Você não quer ficar pra trás, mas tem poucas fichas para competir.

Em uma determinada aposta, fica difícil cobrir o que a mesa pede. Você confia que pode ganhar a rodada com a mão que tem e se manter na disputa. Então você coloca todas as fichas que possui acreditando na vitória. Esse é o movimento chamado all-in, que costuma ser arriscado, mas que depende da habilidade do jogador em ler a mesa, entender a dinâmica do jogo e calcular os riscos e recompensas de apostar tudo.

O termo oriundo do poker é frequentemente utilizado nos esportes de alto nível. A estratégia de “all-in” é uma abordagem altamente agressiva e arriscada, adotada por times que acreditam ter uma janela de título limitada. Essa postura é geralmente influenciada por fatores específicos que criam a percepção de que o momento de vencer é agora, e não no futuro.

O que leva pro All-In?

Vamos explorar com mais detalhes o que leva uma equipe a adotar essa estratégia. E aqui, vamos focar com os termos que conhecemos na NFL, mas vamos explorar outras ligas também mais pra frente:

1. Janela de Super Bowl aberta

A principal razão para uma equipe adotar o “all-in” é a percepção de que está em uma janela de Super Bowl — um período em que o elenco é forte o suficiente para competir pelo título. Esses fatores incluem:

  • Quarterback no auge: Ter um quarterback de elite em sua melhor fase (exemplo: Patrick Mahomes no Kansas City Chiefs).
  • Defesa dominante: Uma defesa que esteja entre as melhores da liga, capaz de controlar jogos e limitar ataques adversários.
  • Corpo de recebedores e linha ofensiva sólidos: Quando o time tem um grupo forte de recebedores e uma linha ofensiva competente, as chances de sucesso aumentam.

2. Declínio iminente de jogadores importantes

Muitas vezes, a decisão de ir “all-in” é influenciada pelo envelhecimento de estrelas-chave, especialmente o quarterback. Se o time tem um jogador veterano na posição mais importante do jogo, eles podem sentir que é o momento de apostar alto antes que o desempenho caia.

  • Exemplo: O Tampa Bay Buccaneers assinou com Tom Brady aos 43 anos em 2020. Em sua reta final de carreira, o time trouxe jogadores experientes para apoiar sua tentativa imediata de vencer, como Jason Pierre-Paul, Rob Gronkowski, Ndamukong Suh, LeSean McCoy e Leonard Fournette.
  • Outro exemplo: ao trocar por Aaron Rodgers na temporada 2023/24, o New York Jets reforçou seu elenco com jogadores que já jogaram com quarterback, como Allen Lazard e Randall Cobb, além de jogadores com talento para reforçar o entorno do jogador.
Brady deixou os Patriots e fechou com Tampa Bay já na fase final de carreira. Em seu primeiro ano, levou os Buccaneers ao bicampeonato do Super Bowl

3. Elenco jovem com contratos baratos

Ter um elenco de jogadores jovens e talentosos, ainda em seus contratos de novato, permite que a equipe tenha maior flexibilidade no salary cap. Isso ocorre porque os jogadores ainda não estão ganhando salários máximos, o que permite ao time gastar mais em jogadores veteranos e estrelas de outras posições.

  • Exemplo: Quando o Seattle Seahawks venceu o Super Bowl em 2013, o então quarterback da equipe Russell Wilson ainda estava em contrato de novato, permitindo ao time investir pesado em outras posições. Dois importantes nomes do título daquela temporada chegaram na Free Agency: Cliff Avril e Michael Bennett

4. Espaço disponível no salary cap

Times que acumulam espaço salarial ao longo dos anos podem decidir usar esse espaço para contratações agressivas em uma tentativa de maximizar o sucesso imediato. Essa abordagem envolve assinar contratos curtos e caros com jogadores que podem fazer a diferença rapidamente.

5. Pressão interna e externa

Fatores como a pressão da torcida, mídia e da própria direção do time podem influenciar a decisão de ir “all-in”. Se o time não tem sucesso há muitos anos, ou se há uma expectativa enorme criada em torno da temporada (por exemplo, após uma troca de alto perfil), a direção pode sentir a necessidade de fazer movimentos ousados.

  • Exemplo: O Los Angeles Rams sentiam a pressão de vencer em Los Angeles e fizeram trocas significativas para trazer estrelas. Chegaram a ir ao Super Bowl em 2018, mas foi somente com a troca por Matthew Stafford que resultou em título, em 2021.

6. Novo estádio ou mercado competitivo

Equipes que acabam de mudar para um novo estádio ou estão em mercados altamente competitivos podem adotar uma postura de “all-in” para aumentar o interesse e a base de fãs.

  • Exemplo: Novamente utilizando o Los Angeles Rams como exemplo. Vale lembrar que a franquia esteve em St. Louis, Missouri de 1995 a 2015 quando retornaram para a Califórnia em 2016. A ideia do All-In após “voltarem para a casa” e com a inauguração do SoFi Stadium ajudou em buscar torcedores e aumentar a receita.

Consequências e exemplos

Embora essa estratégia possa trazer resultados imediatos, há um preço a ser pago no longo prazo:

  • Falta de escolhas de Draft: Trocar escolhas de Draft por jogadores estabelecidos pode comprometer o futuro da equipe, dificultando a reposição de talentos.
  • Problemas com o salary cap: Contratos caros podem prejudicar o equilíbrio financeiro e limitar a capacidade de manobra para assinar novos jogadores nos anos seguintes.
  • Queda de desempenho: Após o “all-in”, equipes muitas vezes entram em períodos de reconstrução, precisando reformular o elenco.

CASO I: LOS ANGELES RAMS

Vamos para os exemplos de All-In nas Grandes Ligas e já que abrimos com NFL, vamos falar do Los Angeles Rams. O nosso ponto de partida é em 2016, quando depois de 20 anos no Missouri, a NFL aprovou o retorno da franquia para Los Angeles, onde estiveram de 1946 até 1994.

A mudança para um dos maiores mercados dos EUA trouxe pressão para criar uma equipe competitiva rapidamente e aumentar a base de fãs na cidade. Além disso, a construção do SoFi Stadium adicionou ainda mais pressão para ter sucesso imediato e justificar o investimento, uma vez que um dos principais motivos da mudança foi a possibilidade de um estádio novo.

No Draft daquele ano, os Rams trocaram escolhas com o Tennessee Titans para selecionar o QB Jared Goff como escolha nº 1 geral. Ele se tornou o pilar inicial do projeto de reconstrução. O time até possuía jogadores interessantes, mas a comissão técnica era fraca. Jeff Fisher foi demitido na Semana 14 deixando a equipe 4–9, com a temporada terminando em 4–12.

2017 trouxe mudanças, com a chegada do novo técnico Sean McVay, além de uma troca pelo WR Sammy Watkins. O time foi tomando forma: Cooper Kupp e Robert Woods forneciam mais opções no jogo aéreo, a linha ofensiva dava segurança com Andrew Whitworth e Austin Blythe. Aaron Donald era o grande nome da defesa, que ainda tinha Michael Brockers e Robert Quinn no apoio.

Goff e McVay seguiram juntos de 2017 até 2021. No caminho, levaram os Rams de volta ao Super Bowl em 17 anos.

Resultado: 11–5 e primeira temporada com recorde positivo desde 2003. Um bom passo mesmo caindo no Divisional Round para os Falcons. Em 2018, mais trocas: os Rams adquiriram estrelas como os CBs Aqib Talib e Marcus Peters, o WR Brandin Cooks, além de assinar com o DT Ndamukong Suh. 13–3 na temporada, ida ao Super Bowl… derrota para o New England Patriots.

Em 2019, os Rams fizeram outra grande aquisição, trocando duas escolhas de 1ª rodada pelo CB Jalen Ramsey. Apesar dos reforços, 2019 e 2020 não trouxeram o título, e Jared Goff não se firmou como o quarterback ideal. Em 2021, a equipe trocou Goff e duas escolhas de 1ª rodada pelo experiente Matthew Stafford, na esperança de ter um líder mais decisivo para os playoffs.

Somada a chegada de Stafford, no meio da temporada a franquia fechou com dois grandes jogadores: o pass rusher Von Miller e o WR Odell Beckham Jr., aumentando ainda mais o poder ofensivo e defensivo. Com um 12–5, o “all-in” enfim foi bem-sucedido, com os Rams vencendo o Super Bowl LVI contra o Cincinnati Bengals, o primeiro título da equipe desde 1999.

Consequências: Após o título, o time enfrentou problemas de salary cap e perdeu profundidade no elenco. A falta de escolhas de Draft devido às trocas deixou o time com pouca capacidade de renovação e reposição de talentos. Tanto que é foi em 2024 que os Rams voltaram a escolher um jogador na 1ª rodada do Draft (Jared Verse). Em 2022, os Rams foram afetados por lesões e queda de desempenho. Em 2023, voltaram aos playoffs, caindo para o Detroit Lions… de Jared Goff.

CASO II: BROOKLYN NETS

O all-in do Brooklyn Nets entre 2020 e 2022 foi uma das histórias mais comentadas da NBA nos últimos anos. Durante os primeiros anos da franquia no Brooklyn, o time lutou para encontrar relevância, enfrentando dificuldades devido a trocas passadas que comprometeram seu futuro, como a troca que trouxe Paul Pierce e Kevin Garnett dos Celtics em 2013, que custou múltiplas escolhas de primeira rodada. Após anos de frustrações, os Nets finalmente encontraram uma oportunidade de se reconstruir.

Em 30 de junho de 2019, Kevin Durant anunciou suas intenções de assinar com os Nets, fechando com a equipe via sign-and-trade, mas passou toda a temporada 2019/20 na reserva por lesão. Com a adição de Durant, o Nets também contratou o armador Kyrie Irving, que jogaria 20 partidas e perderia outras 26 antes de uma cirurgia no ombro no final da temporada.

Essas contratações foram vistas como um sinal claro de que os Nets estavam dispostos a gastar o que fosse necessário para construir uma equipe competitiva. Na temporada 2020/21, o time anunciou o ex-jogador Steve Nash como novo treinador. Depois, os Nets adquiriram o ex-MVP James Harden do Houston Rockets, enquanto trocavam Jarrett Allen, Caris LeVert e outros em uma troca que envolveu também Indiana Pacers e Cleveland Cavaliers, criando assim um “Big Three”.

No mês de março, visando dar maior apoio, Brooklyn contratou os veteranos Blake Griffin e LaMarcus Aldridge. No entanto, Aldridge foi forçado a se aposentar depois de disputar cinco jogos pelo Nets devido a problemas de saúde. Os Nets foram aos playoffs, eliminando o Boston Celtics em cinco jogos, mas caindo para os futuros campeões Milwaukee Bucks no Jogo 7.

Se esperava muito que Durant, Harden e Irving pudessem levar os Nets até um título, mas a falta de química e lesões frustraram os planos da franquia

Apesar do talento indiscutível, o Brooklyn Nets enfrentou diversos problemas fora de quadra que comprometeram o sucesso do time. A recusa de Kyrie Irving em se vacinar contra a COVID-19, em outubro de 2021, o impediu de jogar em casa. Em dezembro, ele retornou como jogador de meio período, apenas em jogos fora de casa. Em seguida, em fevereiro de 2022, Harden pediu para ser trocado, alegando problemas com a estrutura do time e seu relacionamento com Kevin Durant. O Nets atendeu ao pedido e trocou Harden para o Philadelphia 76ers por Ben Simmons, Seth Curry, Andre Drummond e duas escolhas de primeira rodada.

Simmons não entraria em quadra naquela temporada pelos Nets. No torneio play-in da NBA de 2022, os Nets derrotaram o Cleveland Cavaliers por 115–108 para reivindicar a seed #7 da Conferência Leste. Foram varridos por 4–0 pelo Boston Celtics em uma das eliminações mais decepcionantes para uma equipe com tanto talento. Durant e Irving não conseguiram encontrar o ritmo necessário para competir com o jovem time de Boston.

Com a eliminação precoce e o fracasso de não ganhar um título, o experimento “all-in” dos Brooklyn Nets chegou ao fim de forma abrupta: tanto Kyrie Irving como Kevin Durant pediram troca dos Nets. Irving foi posteriormente negociado com o Dallas Mavericks por Spencer Dinwiddie, Dorian Finney-Smith, uma escolha de primeira rodada e duas escolhas de segunda rodada. Na sequência, Durant foi enviado ao Phoenix Suns por Mikal Bridges, Cameron Johnson, quatro escolhas de primeira rodada e uma troca de escolha.

Consequências: Os Nets sacrificaram várias escolhas de primeira rodada para montar esse super time, o que limitou sua capacidade de reconstrução rápida. Embora o time tenha gerado muita expectativa, o fato de não conquistar nenhum título faz deste um dos maiores fracassos de um “super time” na história da NBA. Pro bem ou pro mal, a experiência dos Nets mostrou os riscos de depender de jogadores talentosos, mas com histórico de lesões e controvérsias. A falta de continuidade e química acabou sendo fatal para as ambições da equipe. No final, o experimento deixou os Nets com um legado de “e se?” e destacou a volatilidade de apostar tudo em estrelas veteranas.

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Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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