Um club Galáctico: as origens do Real Madrid e possíveis laços com a ditadura

Lucas Silva
6 min readJan 3, 2025

Os principais clubes da Espanha possuem algo em comum: todos tem algum tipo de rivalidade com o Real Madrid. O maior clube do mundo e um dos mais vitoriosos e midiáticos divide o protagonismo de LaLiga com Barcelona e Atlético de Madrid. Porém o sucesso do clube que hoje podemos enxergar o tamanho demorou para chegar. E hoje vamos nos adentrar na história dos blancos.

Nota: Este texto não tem a intenção de ofender a instituição Real Madrid e sua torcida. Todo o conteúdo aqui apresentado é estritamente informativo e busca promover um entendimento imparcial sobre o tema abordado.

Uma origem confusa

Assim como Bilbao e Barcelona, Madrid foi uma cidade que teve contato com o estrangeirismo. Grande centro financeiro, a cidade começou a aderir o futebol no seu cotidiano a partir do final do século XIX. Os primeiros passos para a criação de um clube na capital aconteceram em 1897, quando um grupo de estudantes e ex-membros da Institución Libre de Enseñanza fundou a primeira sociedade ou clube dedicado exclusivamente à prática de futebol: a Sociedad de Foot-Ball. Porém, o clube acabou por se dissolver três anos depois.

Aqui temos um problema: por conta de fontes insuficientes e imprecisas da época, não dá para esclarecer com certeza o que aconteceu até 1902. Existem duas hipóteses a este respeito.

  • A primeira indica que a Sociedad de Foot-Ball foi dividida em dois clubes: Nueva Sociedad de Foot-Ball e (Sociedad) Sky Foot-Ball, que se fundiriam em 1901 para dar origem ao (Sociedad) Madrid Foot-Ball Club.
  • A outra hipótese e possivelmente a mais provável segundo as crônicas diz que o clube se dissolveria em 1901 com uma reestruturação do Nueva Sociedad que surgiu em novembro de 1900 para se chamar (Sociedad) Madrid Foot-Ball Club e que trouxeram membros da Nueva Sociedad para se juntar ao novo clube.

Seja como for, é a partir da primeira junta diretiva do clube, com Julián Palacios como primeiro presidente do clube, que foi oficializado a criação do Madrid F.C., em 6 de março de 1902. Vale dizer que os editoriais e artigos seguem as duas linhas, sem tirar dúvidas ou encontrar dados de correlação em nomes e datas exatas, e principalmente se seguirem o mesmo ramo fundador. As discrepâncias, no entanto, colocam a Sociedad de Foot-Ball como antecessora do Madrid F.C., e referem-se ao ano de 1900, quando se encontra o nome de Palacios como primeiro dirigente do Nueva Sociedad e depois do Madrid F. C. — fosse ou não o mesmo clube.

Time do Madrid FC em 1906. O clube conquistou sua segunda Copa del Rey naquele ano (Wikipedia/Reprodução)

No mesmo ano de fundação, foi realizada a Copa de la Coronación, reconhecida como a primeira competição entre clubes da Espanha e precursora da atual Copa do Rei. Organizada pelos irmãos Padrós — Carles e Joan Padrós, co-fundadores do Madrid F.C. — os jogos aconteceram no Hipódromo de Madrid e teve o Club Biscaya como campeão.

Dois anos depois, em 21 de maio de 1904, o Real Madrid foi convidado pela USFSA — extinta União das Sociedades Francesas de Esportes Atléticos — para representar a Espanha em um congresso junto das confederações de Bélgica, Países Baixos, Dinamarca, França, Suécia e Suíça que resultou na criação da FIFA. O clube foi ganhando relevância nos próximos anos e, em 29 de junho de 1920, o rei Afonso XIII concedeu ao clube de Madrid o título de “Real”, permitindo o uso da coroa em seu escudo e passando a se chamar oficialmente de Real Madrid, como conhecemos hoje.

Escalação do Real Madrid na década de 1920. Segundo da direita, Santiago Bernabéu (Álbum/Arquivo ABC)

Um sucesso “polêmico”

Durante a Guerra Civil Espanhola, a cidade de Madrid foi, por um longo tempo, um centro de resistência. O Campo de Chamartín, estádio dos merengues, foi cedido pelo clube no treinamento de tropas antifascistas. Além disso, Antonio Ortega Gutierrez, presidente entre 1936 e 1939 e de visões comunistas, foi assassinado em 1938 e apagado da história do clube.

No fim da guerra, o Real Madrid estava imerso em uma crise financeira, havia perdido boa parte dos seus jogadores, que se exilaram, fugiram, se aposentaram ou lutaram na guerra. A alternativa foi recorrer ao plano de recuperação do então dirigente Santiago Bernabéu, que assumiu a presidência do clube justamente para recolocar o Real Madrid de volta no cenário futebolístico espanhol.

Antes de ser presidente, Bernabéu foi jogador, somando duas passagens entre 1911–1920 e 1921–1926. Também foi técnico e diretor. Durante a Guerra Civil, Bernabéu refugiou-se durante dois anos na embaixada francesa, pois havia quem o considerasse um simpatizante da CEDA. Voltou tempos mais tarde, em pleno conflito, se alistando no lado nacionalista.

WAs acusações

As polêmicas de ligação com o franquismo começam aqui, em grande parte oriundas do livro La historia oculta del Real Madrid contada por un culé, e de sua adaptação para o documentário “El Madrid Real: La llegenda negra de la glória blanca”. Ambas as obras foram produzidas pelo jornalista Carles Torras. De acordo com tal, existem três pontos cruciais que mostram:

  1. A construção do novo estádio: Bernabéu tinha como grande projeto para tentar superar a crise interna a construção do estádio com a maior capacidade da Europa até então. Sendo amigo pessoal de Franco e com uso de dinheiro público, o terreno do Nuevo Chamartín teria sido facilitado pelo governo. Com capacidade de 75 mil pessoas, o estádio foi levantado num surpreendente intervalo inferior a três anos.
  2. A contratação de Alfredo Di Stéfano: Em disputa entre Barcelona e Real Madrid nos anos 1950, Di Stéfano tinha seus direitos divididos entre River Plate e Millonarios. O Barça negociou com o River, o Madrid com os colombianos. A Delegacia Nacional de Desportos (DND), órgão regido pelo governo, decidiu que ele jogaria alternadamente entre os clubes por quatro anos. O Barcelona desistiu do negócio, e segundo o filme, a decisão da federação teria sido influenciada por Franco.
  3. As manipulações de arbitragem: O documentário aponta uma relação suspeita entre o clube e a arbitragem, incluindo presentes enviados às esposas dos árbitros. O caso mais notório ocorreu em 1943, na semifinal da Copa del Generalísimo contra o Barcelona: após perder por 3 a 0 na ida, o Madrid venceu por 11 a 1 na volta, em jogo marcado por pressões no vestiário do Barcelona. O clube catalão ainda foi multado e teve seu estádio fechado por vaiar o hino nacional.

O documentário de Torras está disponível no YouTube para tirar as próprias conclusões. É curioso, porém, pensarmos na parcialidade de quem apresenta, uma vez que a história é contada na visão de um torcedor do Barcelona, como a própria capa diz. Também se debate se Francisco Franco era ou não adepto do Real Madrid, teoria que tem seus defensores.

Não podemos questionar, entretanto, que o Real Madrid foi instrumentalizado pelo estado fascista e serviu de propaganda do governo, assim como o Barcelona e o Atlético de Madrid. O fim do jejum de duas décadas sem vencer LaLiga, vencendo 14 troféus além das seis de 15 taças da Champions League pode ser questionado para além da mera coincidência.

Por fim, durantes os anos do governo, o Real Madrid foi exportado como o clube da identidade espanhola, muito possivelmente pela ausência de uma seleção nacional forte. Segundo Raimundo Saporta, braço-direito de Santiago Bernabéu, o Real Madrid sempre foi o time do governo porque sempre esteve do lado certo:

“Na monarquia, era monarquista, na república, era republicano, no franquismo, franquista”.

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Lucas Silva
Lucas Silva

Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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