Uma história do Millwall e os anos do hooliganismo na Inglaterra

Lucas Silva
5 min readSep 6, 2023

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Com quase 140 anos de história, o Millwall é um clube de Londres conhecido por sua ligação com o hooliganismo e episódios de violência no futebol inglês. Apesar da fama, a história do movimento hooligan vai além dos Lions.

CLUBE

Localizado no sudeste de Londres, o clube foi fundado como Millwall Rovers em 1885 pelos trabalhadores da fábrica de conservas J.T. Morton, em uma região chamada de Ilha dos Cães, no norte do Rio Tâmisa.

Os Lions foram membros fundadores da Southern Football League, em 1894. Essa liga existe até hoje sendo parte do sétimo e oitavo nível do futebol inglês. Anos mais tarde deixaram o “Rovers” de lado para se chamar “Millwall Athletic”.

Em 1920, o clube ingressou na Football League. Desde então, o clube tem passado a maior parte da sua história nas divisões inferiores. Foi justamente na temporada 1987/88 que o Millwall venceu seu principal título, a Second Division (hoje Championship).

Teddy Sheringham (à esquerda), Jimmy Carter (centro) e Tony Cascarino do Millwall comemoram após serem coroados campeões da Segunda Divisão (Foto: Paul Popper/Getty Images)

Na primeira temporada (1988/89), um 10º lugar. Na segunda (1989/90), rebaixado como lanterna. Desde então, o Millwall nunca mais jogou uma partida na elite do futebol inglês, também nunca jogou a Premier League.

Apesar da distância da elite, o Millwall conseguiu a façanha de, na temporada 2003–04, chegar a sua primeira final de FA Cup na história. O time do então jogador-técnico Dennis Wise foi o primeiro clube fora da elite desde 1982 a conseguir tal feito.

Mesmo com a derrota por 3 a 0 para o Manchester United, o clube ficou com a vaga do país na Copa da UEFA. Na primeira rodada, o Millwall foi eliminado pelo Ferencváros, da Hungria, pelo placar agregado de 4 a 2. Wise marcou ambos os gols.

Por sinal, alguns jogadores conhecidos do futebol inglês já defenderam as cores dos Lions, como os ex-jogadores Teddy Sheringham e Tim Cahill, o atacante neozelandês Chris Wood e Harry Kane.

Dennis Wise, na época jogador-treinador do Millwall, enquanto comemorava um dos gols contra o Ferencváros (Foto: Mark Thompson/Getty)

NO ONE LIKES US, WE DON’T CARE

Se você consome futebol inglês e já ouviu falar do Millwall, talvez você saiba que a imagem do clube está fortemente atrelada à violência dentro e fora dos estádios em dias de jogos.

O hooliganismo começou, de fato, na Inglaterra, um pouco antes da década de 1960 e acabou afetando drasticamente as médias de público no país. Ao longo dos anos, muitos clubes sofreram diversas punições por conta de seus torcedores.

Ultras, jogadores rivais e até mesmo árbitros já sofreram por conta da Millwall Bushwackers, principal organização hooligan do time. Fundada em 1975, o grupo é tido como uma das gangues hooligans mais notórias da Inglaterra.

Torcedores do Millwall com a bandeira inglesa personalizada com o escudo do clube e a frase “No one like us” (Foto: The Independent/Reprodução)

A violência tomou conta do futebol inglês durante as décadas de 1970 e 1980. A bagunça do futebol inglês, causado pela soma de estádios em condições deploráveis, baixa média de público e violência fizeram o Estado buscar formas de combater o hooliganismo.

É neste contexto que vamos lembrar de Margaret Thatcher. Sugiro você rever a parte de “Política” da thread sobre o desastre de Hillsborough para entender quem é e como pensava a Dama de Ferro:

Tendo em vista que o futebol era um esporte onde “os baderneiros se juntavam para depredar o estádio e agredir outros torcedores por puro entretenimento”, Thatcher quase assumiu o controle do futebol depois de um episódio ocorrido em 13 de março de 1985.

Numa partida de quartas de final da FA Cup, uma briga entre os ultras do Luton Town, reforçados pelas firmas de West Ham e Chelsea, e a torcida do Millwall, deixou 81 feridos. Um policial foi atingido com um bloco de concreto na cabeça e quase morreu. Tragédia.

Depois deste episódio tivemos outros também marcantes, sendo os mais famosos a tragédia de Heysel de 1985, que deixou 39 mortos na final da Champions League e o já citado desastre de Hillsborough, em 1989.

O episódio conhecido como “A Revolta de Kenilworth Road” é um dos grandes episódios de hooliganismo no futebol inglês. Na imagem, os torcedores chegaram a invadir o campo pra brigar. A proporção do evento tomou conta dos arredores do estádio (Foto: PA Images/Getty Images)

MUDANÇAS

Nem tudo é ruim ou está perdido. Pelo contrário, já faz algum tempo que os Lions tentam mudar a imagem do clube e apoiam iniciativas de combate à discriminação. Um exemplo disso foi a criação da Millwall Community Trust (MCT), ainda em 1985.

A instituição trabalha para fornecer oportunidades esportivas, educacionais, sociais e de estilo de vida saudável para a comunidade local. É uma maneira da instituição ajudar a retirar jovens das ruas e impedir que eles entrem para o mundo do crime.

Entrada do Millwall Community Trust (Foto: Millwall FC/Reprodução)

Em uma dessas ações, o Millwall Community Trust trabalhou ao lado da Muslim Aid (ONG de caridade de origem islâmica) no último Natal para doar 35 mil refeições para pessoas pobres por toda a cidade.

Em 2017, a diretoria do Millwall recebeu o troféu Family Club of The Year da English Football League (EFL). O prêmio homenageia o clube que fornece a melhor experiência para famílias e jovens torcedores.

Claro que, no meio disso, existem episódios ruins: em 2013, dois jogadores pretos, El-Hadji Diouf e Nathaniel Chalobah, foram alvos de racismo por parte de torcedores do Millwall. No caso de Diouf, o torcedor em questão foi preso após ser identificado pela TV.

Em março de 2017, o jogador sul-coreano Heung-min Son foi alvo de racismo por torcedores do Millwall durante um jogo da FA Cup. A resposta do jogador foi um hat-trick na vitória por 3 a 0.

Outro episódio foi aquele que aconteceu em dezembro de 2020, parte dos torcedores presentes no The Den vaiaram os atletas do clube que se ajoelharam como protesto pelo movimento Black Lives Matter antes do apito inicial na partida contra o Derby County.

Por fim, queria poder contar mais detalhes sobre a rivalidade com o West Ham, mas o conteúdo aqui tá ficando muito grande. Por isso, deixo a indicação do filme Hooligans (ou Green Street Hooligans) de 2005. Tem o Elijah Wood, logo é bom.

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Lucas Silva
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Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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