Visca Catalunya: O Barcelona e a luta pela independência
É imprescindível falarmos do futebol espanhol sem citar o Fútbol Club Barcelona. Um dos clubes mais importantes da história do futebol local e um dos mais influentes do mundo. Mesmo passando por uma situação financeira muito delicada, o clube blaugrana marcou boa parte dos jovens que viram o time de Ronaldinho, Eto’o e, principalmente, criou fãs e apreciadores de Lionel Messi.
Mas para além dos grandes craques e torcida fanática, o Barça é símbolo de uma luta muito maior que o futebol. Principal símbolo regional, o clube é frequentemente ligado a luta da Catalunha pela sua independência da Espanha. Mas por quê um pedaço tão rico econômica e culturalmente deseja se emancipar?
Més que un poble
A Catalunha é uma das comunidades autônomas da Espanha. Localizada ao leste, faz fronteira com França e Andorra. Essa região possui pouco mais de 32 mil m² com 7,5 milhões de habitantes, além de ser responsável por um quinto da economia espanhola. Sua capital é Barcelona, cidade mais conhecida. A Catalunha é composta por quatro províncias: Barcelona, Girona, Lérida e Tarragona.
Sua origem vem da reconquista da região pelos francos, após o domínio muçulmano, com a criação do Condado de Barcelona. Em 1137, ocorreu a união dinástica de Catalunha e Aragão, com Ramon Berenguer IV, que conquistou os últimos redutos árabes na Península Ibérica. A Coroa de Aragão era responsável pela administração do Reino de Aragão, do Principado da Catalunha e do Reino de Valência.
Ao longo dos séculos XIII e XIV, iniciou a expansão catalã pelo Mediterrâneo com a conquista do reino de Mallorca e de Valencia (1229–1238). O Reino de Aragão se tornou em uma das coroas mais poderosas do final da Idade Média. No século XV, o rei Fernando II de Aragão se casou com Isabel de Castela, o que representou a união dinástica entre as duas coroas e marcou o começo da conquista espanhola da América, com maior centralização de poder em Castela, com a cidade de Madrid se tornando a capital dos reinos espanhóis.
No século XIX, com a Espanha lidou com as Guerras Civis entre liberais e carlistas (conservadores), o romantismo cultural traria um renascimento da identidade catalã no fenômeno da Renaixença, um movimento cultural que buscou restaurar a língua, a literatura, e a cultura catalã. Além disso, foi produzida uma integração no que tange ao uso da língua e dos ideais políticos, o que forma as raízes do nacionalismo catalão. Em seu princípio, a consciência da Renaixença foi potencializada pela recuperação da própria história, pelo poder crescente da burguesia liberal (especialmente de Barcelona), por ser decididamente liberal e romântica, por utilizar com uma relativa normalidade a própria língua, e além disto, ter uma produção literária seria e perseverante.
Més que un club
O final do século XIX em Barcelona marcou o desenvolvimento de sua indústria, o que lançou a cidade como um dos centros urbanos mais avançados de Espanha entrando no século XX, além de servir como um polo de modernidade dentro da Espanha.
É em 22 de outubro de 1899 que um suíço chamado Hanz Kamper colocou um anúncio no jornal Los Deportes declarando seu desejo de formar um clube de futebol; uma resposta positiva resultou em uma reunião no Gimnasio Solé no dia 29 de novembro. Foi fundado o Fútbol Club Barcelona.
O Barcelona nasceu de forma cosmopolita, que paradoxalmente lhe caracterizaria juntamente com o espírito catalão, que o clube só exaltaria mais tarde. Mas a história dos blaugranas tem sido muitas vezes política. Embora tenha sido um clube criado e dirigido por estrangeiros, o clube tornou-se gradualmente um clube associado aos valores catalães.
Na transição da Espanha para a ditadura de Primo de Rivera em 1923, a Catalunha tornou-se cada vez mais hostil em relação ao governo central de Madrid. Foi inclusive, dois anos depois, que Joan Gamper foi acusado pelo ditador de promover nacionalismo catalão. Ele foi forçado a abdicar do posto de presidente do clube e por contas de problemas financeiros, se suicidou em 1930.
Em 1936 teve início a Guerra Civil Espanhola. No mês seguinte ao começo do conflito, vários jogadores do Barcelona e do Athletic Bilbao se alistaram para lutar pelos republicanos. Porém o episódio mais triste veio em agosto: No dia 6 de Agosto, soldados falangistas assassinaram o presidente do clube, Josep Sunyol. Ele foi apelidado de mártir do barcelonismo e seu assassinato foi um momento decisivo na história do clube.
Dois anos depois, em março de 1938, a cidade de Barcelona foi bombardeada pela Força Aérea Italiana, causando mais de 3 mil mortes. Uma das bombas atingiu a sede do clube. O Barcelona foi reduzido a menos de 2.500 sócios no período da Guerra. Com o fim do conflito, a nova diretoria do Barça forçou a mudança do clube em seu nome e seu escudo a partir de 1941. A bandeira catalã foi proibida e o clube foi proibido de usar nomes não espanhóis.
Apesar da difícil situação política, o clube teve um sucesso considerável durante as décadas de 1940 e 1950. Foi inclusive nos anos 1950 que o time teve jogadores lembrados até hoje na história do clube, como o espanhol Luis Suárez e os húngaros László Kubala e Sándor Kocsis, todos comandados pelo técnico Ferdinand Daučík.
Por outro lado, vamos lembrar que a ditadura utilizou o futebol como instrumento de propaganda dos ideais fascistas e muitos nomes simpatizantes de Franco estiveram infiltrados nos clubes, em especial os do eixo Madrid-Barcelona. O Barcelona teve presidentes ligados a ditadura, como o militar Enrique Piñeyro Queralt, Marqués de la Mesa de Asta (1940–1942; 1942–1943). O general Josep Vendrell (1943–1946) lutou nas tropas falangistas. Narcís de Carreras (1968–1969) também foi um colaborador próximo do regime e é dele a frase lema do clube, “Més que un club”.
Similaridades com o País Basco
A história da Catalunha e do Barcelona se entrelaçam. Essa relação do Barcelona com a Catalunha é, de certa forma, similar com o Athletic Bilbao e o País Basco. Mesmo se diferenciando na cultura e no idioma, as razões históricas, o sentimento de pertencimento e o nacionalismo local são características parecidas até certo ponto.
No futebol, além dos dois terem seus rivais regionais — Real Sociedad e Espanyol -, Athletic Bilbao e Barcelona dividem uma rivalidade em comum com o Real Madrid. O Athletic Bilbao e o Barcelona são propriedade de seus sócios, que elegem um presidente para supervisionar os assuntos do clube. Eles também dão grande importância ao desenvolvimento de jogadores locais através de suas canteras e foram os últimos grandes clubes a adotar um logotipo de patrocinador comercial em suas camisas.
Sendo os clubes de maior sucesso nas suas regiões de origem e vistos por muitos dos seus adeptos como a personificação desportiva da população nativa, os clubes têm papéis importantes e semelhantes na cultura do futebol nacional, com a adesão do Athletic a uma política única de jogadores ‘somente bascos’ e os esforços do Barcelona para se tornar o melhor do mundo, mantendo e promovendo uma identidade catalã distinta, exemplificando duas abordagens diversas para ser um símbolo esportivo de sua terra natal.
Em mais de 100 anos, zurigorri e blaugranas somam mais de 240 partidas, com vantagem do Barcelona: 122 vitórias contra 79 do Athletic. A maior goleada do confronto, no entanto, é dos bascos, que em fevereiro de 1931 venceu o Barça por 12–1, sendo esta a maior goleada da história de LaLiga.
Um dos momentos mais violentos, e mais famoso, envolvendo os dois clubes aconteceu na temporada 1983/84. Já existia certo histórico violento por parte das equipes, o jogo físico dos bascos era característico de um time bem sucedido de Javier Clemente, em contraste com o Barcelona de Maradona e César Luis Menotti.
Em setembro de 1983, durante um jogo entre bascos e catalães no Camp Nou, Maradona teve seu tornozelo quebrado após duríssima entrada de Andoni Goikoetxea. Meses depois, na final de Copa do Rei, o argentino se envolveria em uma briga generalizada no campo na derrota do Barcelona por 1 a 0, marcando o último jogo de Diego pelos catalães.
Os anos se passaram e com diversas mudanças no protagonismo, entre La Quinta del Buitre do Real Madrid no final dos anos 1980, o Dream Team de Cruyff nos anos 1990 e a era dos Galácticos nos anos 2000, a rivalidade deu uma boa esfriada, mas ainda gerou lances e partidas lembradas até hoje, como os chapéus de Ronaldinho em 2003, o gol antológico de Lionel Messi em 2015, a final da Supercopa vencida pelo Athletic no Camp Nou no mesmo ano e muitos outros momentos entre duas equipes que, mesmo tendo estilos diferentes, compartilham ideais fora de campo bem parecidos.