Visca Catalunya: O Barcelona e a luta pela independência

Lucas Silva
7 min readSep 4, 2024

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É imprescindível falarmos do futebol espanhol sem citar o Fútbol Club Barcelona. Um dos clubes mais importantes da história do futebol local e um dos mais influentes do mundo. Mesmo passando por uma situação financeira muito delicada, o clube blaugrana marcou boa parte dos jovens que viram o time de Ronaldinho, Eto’o e, principalmente, criou fãs e apreciadores de Lionel Messi.

Mas para além dos grandes craques e torcida fanática, o Barça é símbolo de uma luta muito maior que o futebol. Principal símbolo regional, o clube é frequentemente ligado a luta da Catalunha pela sua independência da Espanha. Mas por quê um pedaço tão rico econômica e culturalmente deseja se emancipar?

Més que un poble

A Catalunha é uma das comunidades autônomas da Espanha. Localizada ao leste, faz fronteira com França e Andorra. Essa região possui pouco mais de 32 mil m² com 7,5 milhões de habitantes, além de ser responsável por um quinto da economia espanhola. Sua capital é Barcelona, cidade mais conhecida. A Catalunha é composta por quatro províncias: Barcelona, Girona, Lérida e Tarragona.

Sua origem vem da reconquista da região pelos francos, após o domínio muçulmano, com a criação do Condado de Barcelona. Em 1137, ocorreu a união dinástica de Catalunha e Aragão, com Ramon Berenguer IV, que conquistou os últimos redutos árabes na Península Ibérica. A Coroa de Aragão era responsável pela administração do Reino de Aragão, do Principado da Catalunha e do Reino de Valência.

Senyera, bandeira da Catalunha e um dos símbolos nacionais da região estabelecidos pelo Estatuto de Autonomia da Catalunha. Uma das versões mais consensuais diz que a bandeira evoluiu a partir do escudo dinástico utilizado pelo conde de Barcelona, Ramon Berenguer IV, do qual já se tem constância no ano 1150 num documento selado pelo mesmo.

Ao longo dos séculos XIII e XIV, iniciou a expansão catalã pelo Mediterrâneo com a conquista do reino de Mallorca e de Valencia (1229–1238). O Reino de Aragão se tornou em uma das coroas mais poderosas do final da Idade Média. No século XV, o rei Fernando II de Aragão se casou com Isabel de Castela, o que representou a união dinástica entre as duas coroas e marcou o começo da conquista espanhola da América, com maior centralização de poder em Castela, com a cidade de Madrid se tornando a capital dos reinos espanhóis.

No século XIX, com a Espanha lidou com as Guerras Civis entre liberais e carlistas (conservadores), o romantismo cultural traria um renascimento da identidade catalã no fenômeno da Renaixença, um movimento cultural que buscou restaurar a língua, a literatura, e a cultura catalã. Além disso, foi produzida uma integração no que tange ao uso da língua e dos ideais políticos, o que forma as raízes do nacionalismo catalão. Em seu princípio, a consciência da Renaixença foi potencializada pela recuperação da própria história, pelo poder crescente da burguesia liberal (especialmente de Barcelona), por ser decididamente liberal e romântica, por utilizar com uma relativa normalidade a própria língua, e além disto, ter uma produção literária seria e perseverante.

Més que un club

O final do século XIX em Barcelona marcou o desenvolvimento de sua indústria, o que lançou a cidade como um dos centros urbanos mais avançados de Espanha entrando no século XX, além de servir como um polo de modernidade dentro da Espanha.

É em 22 de outubro de 1899 que um suíço chamado Hanz Kamper colocou um anúncio no jornal Los Deportes declarando seu desejo de formar um clube de futebol; uma resposta positiva resultou em uma reunião no Gimnasio Solé no dia 29 de novembro. Foi fundado o Fútbol Club Barcelona.

Hanz Kamper, que posteriormente adotaria a versão catalã de seu nome, Joan Gamper, é o principal nome pela fundação do Fútbol Club Barcelona

O Barcelona nasceu de forma cosmopolita, que paradoxalmente lhe caracterizaria juntamente com o espírito catalão, que o clube só exaltaria mais tarde. Mas a história dos blaugranas tem sido muitas vezes política. Embora tenha sido um clube criado e dirigido por estrangeiros, o clube tornou-se gradualmente um clube associado aos valores catalães.

Na transição da Espanha para a ditadura de Primo de Rivera em 1923, a Catalunha tornou-se cada vez mais hostil em relação ao governo central de Madrid. Foi inclusive, dois anos depois, que Joan Gamper foi acusado pelo ditador de promover nacionalismo catalão. Ele foi forçado a abdicar do posto de presidente do clube e por contas de problemas financeiros, se suicidou em 1930.

Em 1936 teve início a Guerra Civil Espanhola. No mês seguinte ao começo do conflito, vários jogadores do Barcelona e do Athletic Bilbao se alistaram para lutar pelos republicanos. Porém o episódio mais triste veio em agosto: No dia 6 de Agosto, soldados falangistas assassinaram o presidente do clube, Josep Sunyol. Ele foi apelidado de mártir do barcelonismo e seu assassinato foi um momento decisivo na história do clube.

Dois anos depois, em março de 1938, a cidade de Barcelona foi bombardeada pela Força Aérea Italiana, causando mais de 3 mil mortes. Uma das bombas atingiu a sede do clube. O Barcelona foi reduzido a menos de 2.500 sócios no período da Guerra. Com o fim do conflito, a nova diretoria do Barça forçou a mudança do clube em seu nome e seu escudo a partir de 1941. A bandeira catalã foi proibida e o clube foi proibido de usar nomes não espanhóis.

Apesar da difícil situação política, o clube teve um sucesso considerável durante as décadas de 1940 e 1950. Foi inclusive nos anos 1950 que o time teve jogadores lembrados até hoje na história do clube, como o espanhol Luis Suárez e os húngaros László Kubala e Sándor Kocsis, todos comandados pelo técnico Ferdinand Daučík.

Por outro lado, vamos lembrar que a ditadura utilizou o futebol como instrumento de propaganda dos ideais fascistas e muitos nomes simpatizantes de Franco estiveram infiltrados nos clubes, em especial os do eixo Madrid-Barcelona. O Barcelona teve presidentes ligados a ditadura, como o militar Enrique Piñeyro Queralt, Marqués de la Mesa de Asta (1940–1942; 1942–1943). O general Josep Vendrell (1943–1946) lutou nas tropas falangistas. Narcís de Carreras (1968–1969) também foi um colaborador próximo do regime e é dele a frase lema do clube, “Més que un club”.

Mesmo vindo de um presidente ligado ao regime fascista de Franco, o lema “Més que un club” resume bem o que o Barcelona significa para a população da Catalunha

Similaridades com o País Basco

A história da Catalunha e do Barcelona se entrelaçam. Essa relação do Barcelona com a Catalunha é, de certa forma, similar com o Athletic Bilbao e o País Basco. Mesmo se diferenciando na cultura e no idioma, as razões históricas, o sentimento de pertencimento e o nacionalismo local são características parecidas até certo ponto.

No futebol, além dos dois terem seus rivais regionais — Real Sociedad e Espanyol -, Athletic Bilbao e Barcelona dividem uma rivalidade em comum com o Real Madrid. O Athletic Bilbao e o Barcelona são propriedade de seus sócios, que elegem um presidente para supervisionar os assuntos do clube. Eles também dão grande importância ao desenvolvimento de jogadores locais através de suas canteras e foram os últimos grandes clubes a adotar um logotipo de patrocinador comercial em suas camisas.

Sendo os clubes de maior sucesso nas suas regiões de origem e vistos por muitos dos seus adeptos como a personificação desportiva da população nativa, os clubes têm papéis importantes e semelhantes na cultura do futebol nacional, com a adesão do Athletic a uma política única de jogadores ‘somente bascos’ e os esforços do Barcelona para se tornar o melhor do mundo, mantendo e promovendo uma identidade catalã distinta, exemplificando duas abordagens diversas para ser um símbolo esportivo de sua terra natal.

Em mais de 100 anos, zurigorri e blaugranas somam mais de 240 partidas, com vantagem do Barcelona: 122 vitórias contra 79 do Athletic. A maior goleada do confronto, no entanto, é dos bascos, que em fevereiro de 1931 venceu o Barça por 12–1, sendo esta a maior goleada da história de LaLiga.

Um dos momentos mais violentos, e mais famoso, envolvendo os dois clubes aconteceu na temporada 1983/84. Já existia certo histórico violento por parte das equipes, o jogo físico dos bascos era característico de um time bem sucedido de Javier Clemente, em contraste com o Barcelona de Maradona e César Luis Menotti.

Em setembro de 1983, durante um jogo entre bascos e catalães no Camp Nou, Maradona teve seu tornozelo quebrado após duríssima entrada de Andoni Goikoetxea. Meses depois, na final de Copa do Rei, o argentino se envolveria em uma briga generalizada no campo na derrota do Barcelona por 1 a 0, marcando o último jogo de Diego pelos catalães.

Andoni Goikotxea, também conhecido como o “Açogueiro de Bilbao”, ficou marcado pelo seu estilo de jogo mais agressivo. Na briga contra Maradona, chegou a desferir esse chute de kung-fu no argentino.

Os anos se passaram e com diversas mudanças no protagonismo, entre La Quinta del Buitre do Real Madrid no final dos anos 1980, o Dream Team de Cruyff nos anos 1990 e a era dos Galácticos nos anos 2000, a rivalidade deu uma boa esfriada, mas ainda gerou lances e partidas lembradas até hoje, como os chapéus de Ronaldinho em 2003, o gol antológico de Lionel Messi em 2015, a final da Supercopa vencida pelo Athletic no Camp Nou no mesmo ano e muitos outros momentos entre duas equipes que, mesmo tendo estilos diferentes, compartilham ideais fora de campo bem parecidos.

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Lucas Silva
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Written by Lucas Silva

Jornalista. São Paulo, Brasil. Passagens por Torcedores.com, Esportudo e Bolavip Brasil.

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